quinta-feira, 27 de março de 2014

Canto do Piaga

I

Ó Guerreiros da Taba sagrada,
Ó Guerreiros da Tribu Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi.

Esta noite - era a lua já morta -
Anhangá me vedava sonhar;
Eis na horrível caverna, que habito,
Rouca voz começou-me a chamar.

Abro os olhos, inquieto, medroso,
Manitôs! que prodígios que vil
Arde o pau de resina fumosa,
Não fui eu, não fui eu, que o acendi!

Eis rebenta a meus pés um fantasma,
Um fantasma d'imensa extensão;
Liso crânio repousa a meu lado,
Feia cobra se enrosca no chão.

O meu sangue gelou-se nas veias,
Todo inteiro - ossos, carnes - tremi,
Frio horror me coou pelos membros,
Frio vento no rosto senti.

Era feio, medonho, tremendo,
Ó Guerreiros, o espectro que eu vi.
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi!

II

Por que dormes, Ó Piaga divino?
Começou-me a Visão a falar,
Por que dormes? O sacro instrumento
De per si já começa a vibrar.

Tu não viste nos céus um negrume
Toda a face do sol ofuscar;
Não ouviste a coruja, de dia,
Seus estrídulos torva soltar?

Tu não viste dos bosques a coma
Sem aragem - vergar-se e gemer,
Nem a lua de fogo entre nuvens,
Qual em vestes de sangue, nascer?

E tu dormes, ó Piaga divino!
E Anhangá te proíbe sonhar!
E tu dormes, ó Piaga, e não sabes,
E não podes augúrios cantar?!

Ouve o anúncio do horrendo fantasma,
Ouve os sons do fiel Maracá;
Manitôs já fugiram da Taba!
Ó desgraça! Ó ruína! Ó Tupá!

III

Pelas ondas do mar sem limites
Basta selva, sem folhas, i vem;
Hartos troncos, robustos, gigantes;
Vossas matas tais monstros contêm.

Traz embira dos cimos pendente
- Brenha espessa de vário cipó -
Dessas brenhas contêm vossas matas,
Tais e quais, mas com folhas; é so!

Negro monstro os sustenta por baixo,
Brancas asas abrindo ao tufão,
Como um bando de cândidas garças,
Que nos ares pairando - lá vão.

Oh! quem foi das entranhas das águas,
O marinho arcabouço arrancar?
Nossas terras demanda, fareja...
Esse monstro... - o que vem cá buscar?

Não sabeis o que o monstro procura?
Não sabeis a que vem, o que quer?
Vem matar vossos bravos guerreiros,
Vem roubar-vos a filha, a mulher!

Vem trazer-vos crueza, impiedade -
Dons cruéis do cruel Anhangá;
Vem quebrar-vos a maça valente,
Profanar Manitôs, Maracás.

Vem trazer-vos algemas pesadas,
Com que a tribu Tupi vai gemer;
Hão-de os velhos servirem de escravos
Mesmo o Piaga inda escravo há de ser?

Fugireis procurando um asilo,
Triste asilo por ínvio sertão;
Anhangá de prazer há de rir-se,
Vendo os vossos quão poucos serão.

Vossos Deuses, ó Piaga, conjura,
Susta as iras do fero Anhangá.
Manitôs já fugiram da Taba,
Ó desgraça! ó ruína! ó Tupá!

Gonçalves Dias

quarta-feira, 26 de março de 2014

Samba do Mug

Nunca vi ninguém com tanto azar
Olha, não tira onda nenhuma
e nem consegue se arrumar

Corta essa, você tem que andar pra frente
vou dar-lhe um Mug de presente

Fotografa essa jogada
Escute aqui, meu camarada,
mande embora essa tristeza
e suas lágrimas, enxugue
Quem não caça com cachorro
é só deixar cair com o Mug
Se você não acredita,
eu não posso fazer nada
Mas a figa tem um Mug
dentro da mão bem fechada

E agora pra provar que o Mug que é o quente
vou dar-lhe um Mug de presente
vou dar-lhe um Mug de presente
vou dar-lhe um Mug de presente

Wilson Simonal

segunda-feira, 17 de março de 2014

Mesmo sabendo das escolhas erradas...

Somos nós que deixamos o monstro entrar embaixo da cama, e quem realmente vale a pena dormir sobre ela. ;-)

Poema

Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo e procurei no escuro
Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo

Hoje eu acordei com medo mas não chorei
Nem reclamei abrigo
Do escuro eu via um infinito sem presente
Passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim,
De repente a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua
Que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio mas também bonito
Porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu
Há minutos atrás

Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo e procurei no escuro
Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo

Hoje eu acordei com medo mas não chorei
Nem reclamei abrigo
Do escuro eu via um infinito sem presente
Passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim
De repente a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua
Que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio mas também bonito
Porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu
Há minutos atrás

Cazuza

sexta-feira, 14 de março de 2014

quarta-feira, 12 de março de 2014

Princípio

No princípio era sol sol sol
O Amazonas ainda não estava pronto
As águas atrasadas
derramavam-se em desordem pelo mato

O rio bebia a floresta

Depois veio a Cobra Grande Amassou a terra elástica
e pediu para chamar sono
As árvores enfastiadas de sol combinaram silêncio
A floresta imensa chocando um ovo!

Cobra Grande teve uma filha. Ficou moça
Um dia
ela disse que queria conhecer homem
Mas não encontraram rasto de homem

Então
começaram a adivinhar horizontes
e mandaram buscar de muito longe um moço

Ai! que houve festa na floresta!

Mas a filha da Cobra Grande não queria dormir com o noivo

porque naquele tempo não havia noite
A noite estava escondida atrás da selva
dentro de um caroço de tucumã
Ah! então vamos buscar o tucumã
pra dar de presente de casamento

Velo o Sapo Jabuti veio também
O Camaleão estava esperando sono
A Onça não pôde vir porque tinha emprestado os sapatos

Andaram Andaram

As vozes iam na frente procurando caminho

Desembarcavam árvores Raízes furavam a lama
A floresta crescia

Chô que depois de muito andar chegaram

- Esta é que é a noite?
- Será mesmo a noite?
- Ah! não acredito

Então vamos espiar o que tem dentro.

Quando abriram o caroço
houve sou estouro imenso
que cobriu tudo de escuro

A floresta inchou
Árvores saíram correndo
Um pedaço da noite entrou na barriga do Sapo.

Então
a filha da Cobra Grande pôde fazer dormezinho com o noivo

Raul Bopp

segunda-feira, 10 de março de 2014

Desaba a chuva

Desaba a chuva
levando a vegetação,

Vento saqueia as árvores folhudas,
de braços para o ar
Sacode o mato grande.

Nuvens negras se amontoam
Monstros acocorados
tapam os horizontes beiçudos,

Palmeiras aparam o céu

Alarmam-se as tiriricas
Saracurinhas piam, piam, piam

Guariba lá adiante puxa reza

As lagoas arrebentaram

Água rasteira agarra-se nos troncos
Rodam galhos secos pelo chão

O charco embarriga
com o vem-vem de plantinhas miúdas da enxurrada

Árvores encalhadas pedem socorro
Mata-paus vou-bem-de-saúde e se abraçam

O céu tapa o rosto

Chove...chove...chove...

Raul Bopp

domingo, 9 de março de 2014

Serenade

Vem comigo é tudo que eu tenho pra dizer
Vem comigo e deixa eu me perder
Vem comigo você pode até se arrepender
Vem comigo e deixa virar
Deixa o coração bater
Deixa bater
Menina, vem dançar
No céu, a lua em serenade
No céu, a lua em serenade

Toninho Horta

terça-feira, 4 de março de 2014

A Brusca Poesia da Mulher Amada (II)

A mulher amada carrega o cetro, o seu fastígio
É máximo. A mulher amada é aquela que aponta para a noite
E de cujo seio surge a aurora. A mulher amada
É quem traça a curva do horizonte e dá linha ao movimento dos
astros.
Não há solidão sem que sobrevenha a mulher amada
Em seu acúmen. A mulher amada é o padrão índigo da cúpula
E o elemento verde antagônico. A mulher amada
É o tempo passado no tempo presente no tempo futuro
No sem tempo. A mulher amada é o navio submerso
É o tempo submerso, é a montanha imersa em líquen.
É o mar, é o mar, é o mar a mulher amada
E sua ausência. Longe, no fundo plácido da noite
Outra coisa não é senão o seio da mulher amada
Que ilumina a cegueira dos homens. Alta, tranqüila e trágica
É essa que eu chamo pelo nome de mulher amada.
Nascitura. Nascitura da mulher amada
É a mulher amada. A mulher amada é a mulher amada é a mulher
amada
É a mulher amada. Quem é que semeia o vento? - a mulher amada!
Quem colhe a tempestade? - a mulher amada!
Quem determina os meridianos? - a mulher amada!
Quem a misteriosa portadora de si mesma? A mulher amada.
Talvegue, estrela, petardo
Nada a não ser a mulher amada necessariamente amada
Quando! E de outro não seja, pois é ela
A coluna e o gral, a fé e o símbolo, implícita
Na criação. Por isso, seja ela! A ela o canto e a oferenda
O gozo e o privilégio, a taça erguida e o sangue do poeta
Correndo pelas ruas e iluminando as perplexidades.
Eia, a mulher amada! Seja ela o princípio e o fim de todas as coisas.
Poder geral, completo, absoluto à mulher amada!

Vinícius de Moraes

segunda-feira, 3 de março de 2014

Poema Enjoadinho

Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem xampu
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!

Vinícius de Moraes