sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Venham vós ao nosso reino aqui no Brasil

Ainda Vou Transar com Você

Eu sei que eu não faço nada
Mas eu gosto, gosto muito de você, de você, de você...
de você

Eu sei que eu não vou à escola
Mais eu gosto, gosto muito de você, de você, de você...
de você

Você não acredita em nada dessa história
de eu tocar com você, com você, com você...
com você...

Alimente essa que eu ainda
Vou transar com você, com você...
com você

Andam dizendo que a vida não está com nada
Eu acho que não
E digo tá, tá, tá de todo o meu coração:
Legal

Venham vós ao nosso reino aqui no Brasil
Rock'n Roll, paz e amor aqui no Brasil
E talvez o fim de semana não tenha mais fim
E talvez a nossa música não tenha mais fim
E talvez a nossa vida não tenha mais fim

Mutantes

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Balada do Mangue

Pobres flores gonocócicas
Que à noite despetalais
As vossas pétalas tóxicas!
Pobre de vós, pensas, murchas
Orquídeas do despudor
Não sois Lœlia tenebrosa
Nem sois Vanda tricolor:
Sois frágeis, desmilingüidas
Dálias cortadas ao pé
Corolas descoloridas
Enclausuradas sem fé.
Ah, jovens putas das tardes
O que vos aconteceu
Para assim envenenardes
O pólen que Deus vos deu?
No entanto crispais sorrisos
Em vossas jaulas acesas
Mostrando o rubro das presas
Falando coisas do amor
E às vezes cantais uivando
Como cadelas à lua
Que em vossa rua sem nome
Rola perdida no céu...
Mas que brilho mau de estrela
Em vossos olhos lilases
Percebo quando, falazes
Fazeis rapazes entrar!
Sinto então nos vossos sexos
Formarem-se imediatos
Os venenos putrefatos
Com que os envenenar
Ó misericordiosas!
Glabras, glúteas caftinas
Embebidas em jasmim
Jogando cantos felizes
Em perspectivas sem fim
Cantais, maternais hienas
Canções de caftinizar
Gordas polacas serenas
Sempre prestes a chorar.
Como sofreis, que silêncio
Não deve gritar em vós
Esse imenso, atroz silêncio
Dos santos e dos heróis!
E o contraponto de vozes
Com que ampliais o mistério
Como é semelhante às luzes
Votivas de um cemitério
Esculpido de memórias!
Pobres, trágicas mulheres
Multidimensionais
Ponto morto de choferes
Passadiço de navais!
Louras mulatas francesas
Vestidas de carnaval:
Viveis a festa das flores
Pelo convés dessas ruas
Ancoradas no canal?
Para onde irão vossos cantos
Para onde irá vossa nau?
Por que vos deixais imóveis
Alérgicas sensitivas
Nos jardins desse hospital
Etílico e heliotrópico?
Por que não vos trucidais
Ó inimigas? ou bem
Não ateais fogo às vestes
E vos lançais como tochas
Contra esses homens de nada
Nessa terra de ninguém! 

Vinicius de Moraes

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Um Simples Olharzinho Seu

A vida nos ensina a procurar os maiores
Tesouros nas coisas mais simples
O que a gente vai buscar bem longe muitas vezes
Pode estar do nosso lado

A gente sabe que é preciso
Um olhar, um sorriso
Um afeto, um agrado
Isto é força que ajuda a carregar o fardo
Eu falo por mim
Quando penso que é o fim
Quando eu acho que já não há estrada a seguir
Ou sonho a sonhar
Nessa hora eu sou um doido à procura
Do seu olhar

Tô sem trampo, tô sem grana
Tô sem sono e meu time perdeu
Pra falar a verdade
Bem mais da metade dos meus problemas
Eu resolvo
Com um simples olharzinho seu

Zé Geraldo

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Pescador


Pescador, onde vais pescar esta noitada:
Nas Pedras Brancas ou na ponte da praia do Barão?
Está tão perto que eu não te vejo pescador, apenas
Ouço a água ponteando no peito da tua canoa...

Vai em silêncio, pescador, para não chamar as almas
Se ouvires o grito da procelária, volta, pescador!
Se ouvires o sino do farol das Feiticeiras, volta, pescador!
Se ouvires o choro da suicida da usina, volta, pescador!

Traz uma tainha gorda para Maria Mulata
Vai com Deus! daqui a instante a sardinha sobe
Mas toma cuidado com o cação e com o boto nadador
E com o polvo que te enrola feito a palavra, pescador!

Por que vais sozinho, pescador, que fizeste do teu remorso
Não foste tu que navalhaste Juca Diabo na cal da caieira?
Me contaram, pescador, que ele tinha sangue tão grosso
Que foi preciso derramar cachaça na tua mão vermelha, pescador.

Pescador, tu és homem, hem, pescador? que é de Palmira?
Ficou dormindo? eu gosto de tua mulher Palmira, pescador!
Ela tem ruga mas é bonita, ela carrega lata d'água
E ninguém sabe por que ela não quer ser portuguesa, pescador...

Ouve, eu não peço nada do mundo, eu só queria a estrela-d'alva
Porque ela sorri mesmo antes de nascer, na madrugada...
Oh, vai no horizonte, pescador, com tua vela tu vais depressa
E quando ela vier à tona, pesca ela para mim depressa, pescador?

Ah, que tua canoa é leve, pescador; na água
Ela até me lembra meu corpo no corpo de Cora Marina
Tão grande era Cora Marina que eu até dormi nela
E ela também dormindo nem me sentia o peso, pescador...

Ah, que tu és poderoso, pescador! caranguejo não te morde
Marisco não te corta o pé, ouriço-do-mar não te pica
Ficas minuto e meio mergulhado em grota de mar adentro
E quando sobes tens peixe na mão esganado, pescador!

É verdade que viste alma na ponta da Amendoeira
E que ela atravessou a praça e entrou nas obras da igreja velha?
Ah, que tua vida tem caso, pescador, tem caso
E tu nem dás caso da tua vida, pescador...

Tu vês no escuro, pescador, tu sabes o nome dos ventos?
Por que ficas tanto tempo olhando no céu sem lua?
Quando eu olho no céu fico tonto de tanta estrela
E vejo uma mulher nua que vem caindo na minha vertigem, pescador.

Tu já viste mulher nua, pescador: um dia eu vi  Negra nua
Negra dormindo na rede, dourada como a soalheira
Tinha duas roxuras nos peitos e um vasto negrume no sexo
E a boca molhada e uma perna calçada de meia, pescador...

Não achas que a mulher parece com a água, pescador?
Que os peitos dela parecem ondas sem espuma?
Que o ventre parece a areia mole do fundo?
Que o sexo parece a concha marinha entreaberta pescador?

Esquece a minha voz, pescador, que eu nunca fui inocente!
Teu remo fende a água redonda com um tremor de carícia
Ah, pescador, que as vagas são peitos de mulheres boiando à tona
Vai devagar, pescador, a água te dá carinhos indizíveis, pescador!

És tu que acendes teu cigarro de palha no isqueiro de corda
Ou é a luz da bóia boiando na entrada do recife, pescador?
Meu desejo era apenas ser segundo no leme da tua canoa
Trazer peixe fresco e manga-rosa da Ilha Verde, pescador!

Ah, pescador, que milagre maior que a tua pescaria!
Quando lanças tua rede lanças teu coração com ela pescador!
Teu anzol é brinco irresistível para o peixinho
Teu arpão é mastro firme no casco do pescado, pescador!

Toma castanha de caju torrada, toma aguardente de cana
Que sonho de matar peixe te rouba assim a fome, pescador?
Toma farinha torrada para a tua sardinha, toma, pescador
Senão ficas fraco do peito que nem teu pai Zé Pescada, pescador...

Se estás triste eu vou buscar Joaquim, o poeta português
Que te diz o verso da mãe que morreu três vezes por causa do filho na guerra
Na terceira vez ele sempre chora, pescador, é engraçado
E arranca os cabelos e senta na areia e espreme a bicheira do pé.

Não fiques triste, pescador, que mágoa não pega peixe.
Deixa a mágoa para o Sandoval que é soldado e brigou com a noiva
Que pegou brasa do fogo só para esquecer a dor da ingrata
E tatuou o peito com a cobra do nome dela, pescador.

Tua mulher Palmira é santa, a voz dela parece reza
O olhar dela é mais grave que a hora depois da tarde
Um dia, cansada de trabalhar, ela vai se estirar na enxerga
Vai cruzar as mãos no peito, vai chamar a morte e descansar...

Deus te leve, Deus te leve perdido por essa vida...
Ah, pescador, tu pescas a morte, pescador
Mas toma cuidado que de tanto pescares a morte
Um dia a morte também te pesca, pescador!

Tens um branco de luz nos teus cabelos, pescador:
É a aurora? oh, leva-me na aurora, pescador!
Quero banhar meu coração na aurora, pescador!
Meu coração negro de noite sem aurora, pescador!


Não vás ainda, escuta! eu te dou o bentinho de São Cristóvão
Eu te dou o escapulário da Ajuda, eu te dou ripa da barca santa
Quando Vênus sair das sombras não quero ficar sozinho
Não quero ficar cego, não quero morrer apaixonado, pescador!


Ouve o canto misterioso das águas no firmamento...
É a alvorada, pescador, a inefável alvorada
A noite se desincorpora, pescador, em sombra
E a sombra em névoa e madrugada, pescador!

Vai, vai, pescador, filho do vento, irmão da aurora
És tão belo que nem sei se existes, pescador!
Teu rosto tem rugas para o mar onde deságua
O pranto com que matas a sede de amor do mar!

Apenas te vejo na treva que se desfaz em brisa
Vais seguindo serenamente pelas águas, pescador
Levas na mão a bandeira branca da vela enfunada
E chicoteias com o anzol a face invisível do céu. 

Vinícius de Moraes

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Marinha

Na praia de coisas brancas
Abrem-se às ondas cativas
Conchas brancas, coxas brancas
           Águas-vivas.

Aos mergulhares do bando
Afloram perspectivas
Redondas, se aglutinando
          Volitivas.

E as ondas de pontas roxas
Vão e vêm, verdes e esquivas
Vagabundas, como frouxas
           Entre vivas! 

Vinícius de Moraes

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

34 (In Metal Rosicler)

Assim n água entraste
e adormeceste,
suicida cristalina.

Todos os mortos vivem dentro de uma lágrima:
tu, porém, num tanque límpido,
sob glicínias,
num claro vale.

Não vês raízes nem alicerces,
como os outros mortos:
mas o sol e a lua,
Vésper, a rosa e o rouxinol,
nos seis espelhos que te fecham por todos os lados.

Pode ser que também Deus se aviste,
nessa imóvel transparência.
E pode ser que Deus aviste teu coração,
e saiba por que desceste
esses degrau de cristal que iam para tão longe.

Ah!
é o que rogamos para sempre,
diante da tua redoma
onde dormes sozinha com os teus longos vestidos,
diante da tua transparente,

fria, líquida barca.

Cecília Meireles

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Romãs


Não deixaremos o jardim morrer de sede.
Mali asperge com um pouco d’água as plantas.
Como quem rega? Como quem reza.

Cada vaso recebe cinco ou seis gotas d’água
e mais o amor de Mali, um amor moreno, sério,
de turbante branco.

Não deixaremos o jardim morrer de sede.
Tudo já está calcinado. Pedra, cinza, areia.
Mali sacode a água dos dedos:
sementes de vidro ao sol.

As plantas são magras como donzelas
e assim gentis.

E duas pequenas romãs amadurecem,
rosa e marfim,

num casto vestido de folhas foscas.

Cecília Meireles

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Paisagem Mexicana

Passei pela terra seca,
sem arvore e sem arroio,
com suas casas caídas,
sua pena sem socorro.

O que avistei de mais vivo
foi o cemitério plano
onde uma índia cor da terra
de joelhos ia chorando.

A aguinha da sua lágrima
tão cansada vinha andando
como se arrastara séculos
essa carreta de pranto.

Ali no meio do mundo,
toda para o céu voltada,
única fonte na areia,
sozinha, a mulher chorava.

Talvez perguntasse aos santos:
“Por que se morre? e sentisse
que do céu lhe perguntavam

também: “Para que se vive?”.

Cecília Meireles

Canção

Não sou a das águas vista
nem a dos homens amada;
nem a que sonhava o artista
em cujas mãos fui formada.
Talvez em pensar que exista
vá sendo eu mesma enganada.

Quando o tempo em seu abraço
quebra o meu corpo, e tem pena,
quanto mais me despedaço,
mais fico inteira e serena.
Por meu dom divino faço
tudo a que Deus me condena.

Da virtude de estar quieta
componho meu movimento.
Por indireta e direta,
perturbo estrelas e vento.
Sou a passagem da seta
e a seta, - em cada momento.

Não digas aos que encontrares
que fui conhecida tua.
Quando houve nos largos mares
desenho certo de rua?
E de teres visto luares,
que ousarás contar da lua? 

Cecília Meireles

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Por baixo dos largos fícus

Por baixo dos largos fícus
plantados à beira-mar,
em redor dos bancos frios
onde se deita o luar,
vão passando os varredores,
calados, a vassourar.

Diríeis que andam sonhando,
se assim os vísseis passar,
por seu calmo rosto branco,
sua boca sem falar,
- e por varrerem as flores
murchas, de verem amar.

E por varrerem os nomes
desenhados par a par,
no vão desejo dos homens,
na areia vã, de pisar...
- por varrerem os amores
que houve naquele lugar.

Visto de baixo, o arvoredo
é renda verde de luar,
desmanchada ao vento crespo
que à noite regressa ao mar.

Vão passando os varredores;
vão passando e vão varrendo
a terra, a lembrança, o tempo.

E, de momento em momento,
varrem seu próprio passar...

Cecília Meireles

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Corrida de Jangada

Meu mestre deu a partida
É hora, vamos embora
Pros rumos do litoral
Vamos embora
Na volta eu venho ligeiro
Vamos embora
Eu venho primeiro pra tomar teu coração
É hora!
Ora, vamos embora
É hora, vamos embora
É hora, vamos embora
Vamos embora, ora, vamos embora!
É hora, vamos embora
É hora, vamos embora

Viração virando vai
Olha o vento, a embarcação
Minha jangada não é navio, não
Não é vapor nem avião
Mas carrega muito amor
Dentro do seu coração

Sou meu mestre, meu proeiro
Sou segundo, sou primeiro
Reta de chegar
Olha a reta de chegar
Mestre, proeiro
Segundo, primeiro
Reta de chegar
Reta de chegar

Meu barco é procissão
Minha terra é minha igreja
Noiva é rosário
No seu corpo vou rezar
Minha noiva é meu rosário
No seu corpo vou rezar

Ora!
Ora, vamos embora
Vamos embora
Vamos embora
Vamos embora
Vamos embora
Ora, vamos embora
Ora, vamos embora, nego

Edu Lobo e José Carlos Capinan

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Miguilim

"Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro!..."

- João Guimarães Rosa, em "Corpo de Baile". [Edição Comemorativa 50 anos (1956-2006)]. v. I e II. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 100.